Em 25/05/2016
Formado em Direito pela Universidade Católica de Salvador, Luis Fausto Dias de Valois Santos foi aprovado para os cargos de Secretário de Juizados Especiais da Bahia, Delegado Federal, de Delegado de Polícia do Estado da Bahia, Conciliador do Juizado de Trânsito e Juizados Especiais Cíveis do TJ- Bahia, Procurador do DNIT, Técnico Processual da União, concurso de provas e títulos para integrar a Magistratura do Estado de Sergipe, concurso de provas e títulos para integrar a carreira de Membro do Ministério Público de Alagoas , exerceu os cargos de Secretário de Juizado Especial,Conciliador de juizados especiais e Promotor de Justiça do Estado de Alagoas.
No Ministério Público de Sergipe, foi Promotor de Justiça dos Direitos à Educação de Aracaju, durante 08(oito) anos, substituindo o então Secretário Geral, que posteriormente foi eleito Procurador Geral de Justiça e atualmente é Conselheiro do CNMP, Orlando Rochadel Moreira.
Atualmente exerce atividades na Promotoria de Justiça dos Direitos da Criança e Do Adolescente, Idoso, Pessoa com Deficiência e Acidente do Trabalho de Nossa Senhora do Socorro, tendo recentemente reativado uma entidade de acolhimento mista para crianças e adolescentes em situação de risco; reativado os Conselhos Municipais do Idoso e da Pessoa com Deficiência; interposto ação para garantir que uma criança obtivesse o fornecimento de fraldas de uma marca específica de fraldas. Iniciativa que, além de garantir o acesso aos meios que a criança necessitava para sua saúde, redundou em matéria na TV Justiça, durante o mês de janeiro de 2016;
Designado para o projeto “Racismo: Conhecer Para Enfrentar”, ação em prol dos direitos fundamentais, desenvolvida pelo Conselho Nacional Do Ministério Público, tendo realizado audiências públicas, participado de diversos eventos em prol do combate a intolerância religiosa.
Entrevista
01- Há quantos anos o senhor é Promotor de Justiça?
Fui Promotor de Justiça por quase um ano em Alagoas e no Ministério Público de Sergipe estou há 20 anos. O Direito sempre foi a minha vocação e a minha visão de ser Ministério Público //
02- Como foi esse processo de escolha? Quais foram as suas referências?
É interessante porque na minha juventude sempre me voltei para ser veterinário. A minha vocação era para ser veterinário apesar dos meus pais serem da área jurídica e administrativa. Mas eu sempre me voltei para a área dos animais, questões da natureza, a questão do respeito ao idoso e sempre tive proximidade com pessoas com deficiência. Eu tinha um amigo chamado Marcelo que era autista e ele sempre dizia que eu era irmão dele, mesmo ele tendo dois irmãos e uma irmã, ele se identificava comigo, isso na minha infância e acho que me sensibilizou muito para a questão do respeito as pessoas com deficiência.
E ao idoso me refiro mais uma vez a questão do dia a dia. Eu convivia muito com minha avó materna, Ilda Valois Santos e meu avô Luiz da França e esses dois idosos foram também fatores determinantes para o meu carinho e sensibilidade com o idoso. Eu sempre convivi e tive momentos muito bons com eles e isso é muito importante para forjar a característica do cidadão para o respeito com o idoso. Essas foram as influências para que eu gostasse das temáticas relacionadas e o Direito surgiu de uma frustração com o vestibular que fiz para Veterinária. Acabei passando com uma boa pontuação em Direito.
03-A mãe do senhor, a Desembargadora Luislinda Dias de Valois Santos, é muito conhecida em todo Brasil por sua história de vida e de superação. Ela tentou influenciar o senhor para escolher a carreira na área de Direito?
Não. Eu digo que eu tive a influência de saber que ser membro do Ministério Público, ser Promotor de Justiça, atuar nas tutelas coletivas relacionadas a infância, ao idoso e pessoa com deficiência era o meu caminho, a magistratura é um sacerdócio, eu admiro e respeito os Magistrados, mas minha vocação sempre foi para o Ministério Público ou Defensoria Pública ou a área da polícia. Eu fiz concurso e fui aprovado para o concurso de Delegado Federal e também fui aprovado para o concurso da magistratura aqui de Sergipe, passei em todas as etapas e fiquei aguardando o chamado, já estando no MP/SE, mas não sairia do MP porque me identifico com atuação ministerial. A nossa atuação no dia a dia pode beneficiar e atingir positivamente diversas pessoas de uma forma muitas vezes mais célere, do que um processo em si e então me sinto plenamente realizado de estar no MP. Não tive, por parte de minha mãe, influência de escolher a carreira de Magistrado, mas sim na minha forma de atuação, no que diz respeito a independência em meus posicionamentos e a firmeza. Isso sim, minha mãe e meu pai serviram de molde e referencial para o meu dia a dia. A questão da honestidade, do respeito, do dinamismo e de tratar todo cidadão com o mesmo respeito, independente de quem quer que seja.
04-Quando ingressou na carreira de Promotor de Justiça, quais foram os primeiros principais desafios?
Eu digo que não existe um desafio apenas. Digo que a cada dia há reconstrução, porque na época estávamos tendo o surgimento em massa dos computadores e eu fiz parte da geração da datilografia. Eu peguei o fim dessa era e o início da era do computador e os sistemas estavam começando a serem implementados e havia uma grande demanda de processos e procedimentos surgindo e o computador veio para facilitar o trabalho. Tive que deixar de trabalhar no varejo, que era o caso da datilografia e a forma como armazenávamos as peças de manifestação, para trabalhar com o computador, que claro, dá uma oportunidade de você trabalhar com um dinamismo muito maior. O meu grande desafio foi de imediato ter que lidar com a tecnologia e não ter tempo para uma adaptação. Meu grande desafio foi ter que me adaptar a realidade das novas tecnologias, mas não me arrependo porque precisamos entrar no processo virtual, que é outro desafio, mas que precisa ser analisado com a saúde do Promotor de Justiça, porque somos máquinas feitas por um Deus, para quem acredita em Deus ou tem uma religião, mas quem não acredita, sabe que somos humanos e isso é fato e não somos máquinas infalíveis e na questão da saúde tendo sido atingida por essa massificação da cobrança em relação ao membro ministerial. Eu falo porque tenho visto a questão da minha visão modificando abruptamente quase que por semestre por conta da utilização do computador. Não sei se é por causa desse uso excessivo, mas, o meu grau por exemplo, eu não usava óculos há quatro anos e hoje já estou usando lente multifocal e com o grau sempre se elevando. Então é algo que precisamos refletir a questão da celeridade e a saúde dos profissionais do Direito. Não sei quais serão as consequências para o profissional do Direito.
05- Em que consiste o principal papel do MP e o que a sociedade pode e deve esperar do Ministério Público?
A questão de ser o fiscal da lei já está consolidada, o MP é muito mais que isso, hoje ele é aquele que promove a efetivação dos direitos sociais, a efetivação e respeito as normas jurídicas, ao patrimônio público, a saúde, aos direitos da criança e do adolescente, do consumidor, da pessoa com deficiência, meio ambiente e também muitas vezes a questão da moradia, da dignidade da pessoa humana. Então, sobre interesses individuais indisponíveis e os coletivos, o MP tem tido uma atuação muito valorosa, muito grande. Recentemente vi uma notícia de que na operação Lava Jato o MP conseguiu repatriar da Suíça valores que alcançam os trilhões, fizeram acordos de leniência com empresas para devolverem ao erário dinheiro que é da União, dos Estados e Municípios e que foram desviados e serão devolvidos . As punições que estamos vendo em nossa sociedade, independente do cargo, da função e de quem exerce ou do grau de hierarquia em grandes empresas, que estão sendo punidos , presos e condenados já aponta para uma modificação que credito muito a atuação do MP e como costumo dizer, nenhuma andorinha faz verão sozinha. É importante colocar o papel da Receita Federal, da Polícia Federal, da Magistratura, dos servidores, nesse trabalho. Estamos vendo um país que está modificando sua realidade, acredito que o papel do MP hoje é de fomentar o combate a corrupção. Estamos vendo uma verdadeira apologia a honestidade, que essa palavra seja um norte em nosso país. Temos que preservar em nossa sociedade a questão da honestidade, e outro ponto que a sociedade precisa refletir é o racismo. Na sociedade brasileira está impregnada a questão do racismo mas acredito que nesse momento a sociedade enfim começa a refletir. Antigamente não se discutia tanto a questão do racismo do afrodescendente, do homossexual e a liberdade religiosa por exemplo. Não é somente a questão da pessoa profetizar sua crença, mas também permitir que elas tenham acesso a sua religiosidade, respeitando os instrumentos religiosos por exemplo. O Estatuto da Igualdade traz no artigo 23 que deve ser respeitada a liturgia dos cultos religiosos de matriz africana e muitas vezes isso não acontece.
06- O senhor ajuizou uma ação porque a polícia estaria invadindo terreiros em Aracaju e levando instrumentos utilizados no culto?
Fizemos uma audiência pública porque tivemos conhecimento desses fatos, eu não tenho atuação executiva, mas a minha ação tem o intuito de promover. Convidamos a polícia militar e a secretaria de segurança pública. Diante da nossa provocação juntamente com o coletivo de terreiros, as diversas representações religiosas que temos aqui em Sergipe, reivindicando que se deem o mesmo respeito as religiões de matriz africana, porque a informação é de que a PM interrompeu um culto religioso, apreendeu e levou atabaques, que são instrumentos religiosos e esses instrumentos, infelizmente, até hoje não foram devolvidos aos religiosos. Infelizmente olham para os atabaques e vêem um instrumento musical, mas são instrumentos religiosos. Um exemplo, eu não ouvi falar de apreensão de bíblias ou imagens de santos ou fecharem igrejas. Então essas questões devem ser refletivas, as pessoas devem ter um pouco de atenção e ler o estatuto da igualdade racial. Volto a dizer, eu não vi apreender alcorão, santos e se pedir a restituição dessas partes, mecanismos que fazem parte das liturgias religiosas. Temos que ter esse cuidado. E aí eu digo, acho que a sociedade começou a refletir um pouco aqui em Sergipe e no Nordeste , agora com a questão do bloqueio do whatsapp , quando um cidadão que merece toda nossa reprovação, e aí fica a nossa manifestação contrária aquela manifestação de racismo claro, quando ele discrimina a população de Lagarto e de Sergipe, ao meu ver, como Luís Fausto, operador do Direito , ele cometeu ali o crime de racismo , ele não ofendeu a honra subjetiva de uma pessoa, ele ofendeu a honra de toda uma coletividade, de um grupo de pessoas, dos cidadão de Lagarto e dos sergipanos. Ali mostra como é você sofrer com o preconceito por pertencer a um lugar, isso mostra o que ocorre com nossos irmãos negros, homossexuais, como pessoas com deficiência, idosos, que são grupos que a lei prevê que são vítimas de racismo se sentem . É importante que esse caso não seja esquecido e não basta apenas um pedido de desculpas.
07- O que o motiva como servidor público? É lutar por aqueles que não tem voz e não conseguem por si só garantir seus direitos?
Eu acho que estudei boa parte do meu tempo, não para ser um doutrinador, mas um verdadeiro operador do direito, instrumento para que as pessoas tenham seus direitos garantidos, esse é o meu foco, é minha atuação, garantir ao cidadão, a um grupo de cidadãos, o acesso e efetivação de seus direitos e de uma maneira que eu não imaginava eu comecei a ser exemplo para alguns jovens, principalmente os jovens negros, e é esse um viés que eu me preocupo muito, que é o fato dos jovens negros e pobres da nossa sociedade vejam que é possível ocupar outros cargos além do habitual, que é possível , porque infelizmente a nossa sociedade carrega um estereótipo que precisa ser quebrado, eles podem alcançar os diversos cargos, de magistrado, promotor de justiça, de engenheiros e médicos e precisam sair da periferia e que não se espelhem em traficantes, porque é essa a realidade que temos visto, não muito longe, aqui ao redor da capital encontramos jovens que estão se espelhando no traficante .
08- O senhor fala muito em racismo. O senhor já sofreu racismo?
As pessoas sabendo que sou Promotor de Justiça acabam criando uma couraça, mas sem saber que sou Promotor já passei por várias situações e como Promotor percebo que as vezes a pessoa tem medo de dizer que eu sou negro, quer falar que sou moreno, moreno claro e até moreno castanho, esse moreno claro aconteceu durante uma audiência. É como se dizer que a pessoa é negra é algo ofensivo, pejorativo. Vejo muitas pessoas na sociedade dizendo coisas como, por exemplo, “Isso é uma mancha negra na sociedade”, “ O lado negro da pessoa”,“ denegrir as pessoas” denegrir é tornar negro, não é ruim se tornar negro. Então a pessoa usa de forma pejorativa e isso são ranços de anos e anos de entender que se tornar negro é tornar ruim, então essa é uma desconstrução que precisa ser feita, isso se faz com o ensino da Lei 10.639 , muito mais trabalhada nas escolas e tenho consciência que é uma desconstrução que vai levar anos e gerações para ser desfeita. Então a nossa sociedade também precisa trabalhar as cotas no serviço público, tivemos no Ministério Público da Bahia um concurso em que já foi prevista a questão das cotas, salvo engano a magistratura daqui já fez essa previsão. Nós precisamos dar oportunidade para que a sociedade tenha realmente a cara do País, que se mescle, que se dê oportunidade a todos e as cotas não são um favor, elas são uma reparação necessária, o Brasil é signatário de uma convenção da ONU de 1940 de modificar essa realidade de exclusão do povo negro da nossa sociedade, e somente agora é que vem se trabalhando essa questão nos últimos 10 anos, de termos cotas nos concursos e vestibulares. Elas são muitos importantes para alunos oriundos da escola pública, que acredito ser a porta mais democrática de quem pode entrar nas universidades. Eu tenho um primo na Bahia que vi pequeno e ele conversando comigo quando criança perguntou o que eu fazia , onde eu trabalhava. E mais de 10 anos depois o reencontrei, ele tinha acabado de ser aprovado em primeiro lugar para Promotor de Justiça na Bahia e ele se emocionou quando me viu e disse que eu tinha sido seu referencial que ele estava ocupando o cargo de Promotor de Justiça porque se espelhou em mim. Assim como ele, vários jovens podem ter exemplos, sonhar e tornar possível. Mas nós precisamos ter também nas bancas de concursos, negros avaliando negros, nós precisamos. O negro precisa se ver representado e assim saber que é possível. Hoje falo que a mídia precista também fazer o seu papel, eu pouco vejo em Sergipe, propagandas que reflitam a diversidade que temos em nosso país. São coisas que muitas vezes não percebemos, mas é praticamente a sensação de que nós não consumimos, não somos representados, o que não é verdade, o negro consome tanto ou mais que qualquer outro. Mas precisamos cobrar, eu chego nos lugares e pergunto se esqueceram de fazer para o negro, para o idoso, para a pessoa com deficiência, os grupos que são maiorias, são tratados como minoria, são esquecidos e isso está mudando pela educação, pela legislação e pela atuação do Ministério Público. Precisa se ter, se não faz pela questão social, se faz pela legal porque o estatuto da igualdade prevê que deve ser essa questão de representatividade na parte das produções artísticas, de comunicação, de propaganda, do estudo da saúde do povo negro, de situações que precisam ser vistas e colocadas em prática respeitando o Estatuto da Igualdade.
09- O que o senhor espera para o futuro? É essa a garantia dos direitos? Da igualdade?
Espero exatamente o que diz a nossa Constituição Federal. Está lá, uma sociedade justa, solidária e que preserve a dignidade humana. Se eu não posso exibir as imagens de uma pessoa porque tem o poder aquisitivo por exemplo, eu também não posso fazer isso com o jovem pobre da periferia, sem oportunidade, e expor a sua imagem como já julgado e condenado por algum ato que tenha cometido. Porque não se mostra todas as pessoas que cometeram algum crime ou infração, porque algumas são preservadas? Ou não se exibe todo mundo, ou exibem todom indistintamente, tem que ter a igualdade e muitas vezes não verificamos isso. A questão da religiosidade, eu espero que não caminhemos para o radicalismo que vemos no dia a dia, porque quando você descrimina um grupo, ele acaba se radicalizando e já se verifica na história o que aconteceu quando os grupos começaram a perseguir outros grupos tidos como minoritários, tivemos um caso na antiga Rodésia que os Tuthis e Hutus não se identificavam e muitas vezes irmãos e vizinhos, que por conta de diferenças que foram encontradas, um grupo começou a perseguir ao outro e a se dizimar, mas de 800 mil pessoas morreram neste conflito. Também aconteceu na Iugoslávia, mulheres, crianças e idosos foram dizimados. A história mostra que não podemos perseguir grupos, nem no que diz respeito a religiosidade, quando não respeitamos as crenças alheias e até mesmo a não crença, como o ateísmo, nós corremos o risco do radicalismo, da perseguição e da morte dos irmãos que tem uma religião minoritária. Na Bahia tivemos um caso de uma pessoa que foi reclamar porque um grupo estava fazendo um culto em frente a uma Lagoa. Nesse caso quem estava sendo intolerante? A pessoa que estava no culto ou quem estava incomodado? Como vai ser feito? Vai modificar uma religião que não se sabe nem quando foi criada para atender apenas uma pessoa? Precisamos agir e nos livrar de toda influência regiliosa. Falo por conhecimento e experiência. Em minha formação religiosa tenho meu avô por parte de pai fundador da primeira Igreja Batista de Aracaju, Fausto José dos Santos, por parte de mãe minha formação é do Candomblé e eu me sinto muito tranquilo para tomar minhas posições e tenho minha formação católica. O que se precisa é de igualdade de respeito e oportunidade para todas as formas de religiosidade.